Por Débora Moraes da Silva – Especialista em Assuntos Regulatórios e Diretora Técnica da Reguli.Q
Nos últimos anos, a prateleira de cosméticos ficou cada vez mais versátil. É comum vermos produtos que prometem hidratar, uniformizar o tom da pele, prevenir sinais da idade e — por que não? — ainda oferecer proteção solar.
Essa é a cara dos chamados produtos multifuncionais, que ganharam força no mundo inteiro desde os anos 2000. Os primeiros foram os BB creams, febre na Ásia, que logo abriram espaço para CC creams, hidratantes com FPS, séruns e até maquiagens com ação antioxidante e escudo UV.
Enquanto os cosméticos se reinventavam, os protetores solares seguiam uma trilha mais técnica. Desde os anos 1940, sua função sempre foi muito clara: proteger a pele da radiação ultravioleta. Com o tempo, eles também evoluíram — ganharam texturas mais agradáveis, ativos anti-idade, controle de oleosidade e até cor. Mas, no fim das contas, continuam com um propósito principal: fotoproteção eficaz e comprovada.
E é justamente aqui que entra a dúvida (e, muitas vezes, o erro regulatório): onde termina o protetor solar e começa o multifuncional com FPS?
O que diz a Anvisa?
A RDC nº 629/2022 é clara: protetor solar é todo produto cuja função principal é proteger contra os raios UVA e UVB. E para isso, não basta colocar FPS no rótulo. É preciso comprovar a eficácia por meio de testes como:
- FPS
- FPUVA
- Comprimento de onda crítico ≥ 370 nm
- Resistência à água (se essa informação for divulgada)
Esses produtos precisam ser registrados como Grau 2 e seguir todo o rito previsto na RDC nº 907/2024, com dossiê técnico completo, estudos robustos e rotulagem específica.
Já os cosméticos multifuncionais com FPS (como hidratantes, bases e séruns), mesmo que contenham filtros UV, não têm como foco principal a fotoproteção. O FPS é um atributo adicional. Por isso, eles também são Grau 2, mas seguem um procedimento simplificado — desde que respeitem os limites e exigências da RDC nº 600/2022.
Mas atenção: há regras claras para isso
Se o produto exibe FPS no rótulo ou na publicidade, ele precisa comprovar esse fator com teste válido. E, acima de tudo, não pode se posicionar como substituto de um protetor solar tradicional.
A Anvisa exige que todo multifuncional com FPS traga no rótulo a frase:
“Este produto não é um protetor solar.”
Essa frase não é decorativa. Ela é um aviso ao consumidor e uma proteção à empresa — especialmente em tempos de consumidores mais informados e exigentes.
Uma tendência que exigiu atualização das normas
O boom dos multifuncionais mudou a forma como as pessoas cuidam da pele. Mas também exigiu um novo olhar da Anvisa. Afinal, a promessa de proteção solar não pode ser feita de forma leviana — é uma questão de saúde pública.
Por isso, entender essa fronteira entre marketing e regulamentação é essencial para quem atua com desenvolvimento, P&D, assuntos regulatórios ou marketing cosmético.
E na próxima parte?
Na Parte 2, vamos aprofundar:
- Quais testes são obrigatórios para protetores solares e quais metodologias são aceitas
- O que pode (ou não) ser declarado no rótulo
- Quais filtros UV exigem advertências específicas
- E os erros mais comuns que levam ao indeferimento pela Anvisa
Enquanto isso, você pode consultar a base legal:
RDC nº 629/2022 https://anvisalegis.datalegis.net/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&num_ato=00000629&sgl_tipo=RDC&sgl_orgao=RDC/DC/ANVISA/MS&vlr_ano=2022&seq_ato=000&cod_modulo=134&cod_menu=1696